A qualquer altura do dia é extremamente agradável saborear uma boa
chávena de chá, inclusive quando se trata de um tipicamente português. Estava a
escrever este artigo acompanhado com uma chávena do famoso Chá Preto Orange Pekoe, proveniente
da fábrica mais antiga de chá da Europa, Gorreana, situada num Éden
totalmente português, numa das ilhas mais requisitadas do Açores, São Miguel.
Se hoje o chá é produzido e bebido nos pontos
mais remotos do globo, deve-o, em parte, aos portugueses, que foram os
primeiros europeus a difundir a bebida mais cobiçada da China. Hoje, as únicas
plantações de chá para fins industriais de toda a Europa estão na ilha de São
Miguel.
O chá, Camellia sinensis (L.), apareceu nesta ilha implantada no Atlântico, no
século XIX, para fazer face à crise da laranja. Num
exercício de previdência, pouco habitual na história portuguesa, começou-se a
perceber-se que o fim do ciclo da laranja estava perto ainda antes de as vendas
começarem a cair, e estudaram alternativas. Vários cultos e viajados, ao
contrário das gerações anteriores, e inspirados pelo espírito iluminista da
época – gentlemen farmers – , criam em 1843 a Sociedade Promotora da Agricultura
Micaelense (SPAM) que seria
responsável pela aclimatação de novas espécies na ilha, entre elas o chá (vindo
do Brasil).
Tínhamos a planta, mas não sabia-mos o que
fazer com ela, então foram contratados
dois técnicos chineses originários de Macau para virem a São Miguel ensinar
técnicas de preparação das folhas e fabrico do chá.
“Já estão entre nós os Chinos que vêm para a preparação do chá. Chegaram
no navio Luso e desembarcaram à
europeia, trazendo os seus carrapichos envoltos na cabeça. São ainda novos, mas
já têm filhinhos chineses. Quinta-feira foram até à Ribeira Grande examinar um
plantio de chá, da qual trouxeram pequena porção a fim de se proceder às
experiências, que deram ótimos resultados (…)”
Jornal Açoriano Oriental
Com o passar do tempo, este saber
ancestral passou de geração em geração e criaram-se novas fábricas de chá na
ilha. A única, porém, que haveria de sobreviver ininterruptamente desde 1883 é
a do Chá Gorreana, com 32 hectares de plantação e 38 toneladas de
matéria que produz em média por ano, colocando
no mercado o chá verde Hysson e as
marcas de chá preto Orange Pekoe, Pekoe
e Broken Leaf, apetecidos em várias
partes do mundo, inclusive França e Alemanha.
Considerado um ponto de
interesse turístico, aqui, nesta fábrica, os visitantes têm a hipótese de
percorrer as diversas secções de transformação das folhas e saboreá-lo numa
sala com vista panorâmica. Uma prova obtida por meio de técnicas tradicionais
que, todavia, têm os dias contados infelizmente.
Em resumo, o chá, um diamante
em pleno Atlântico, brota dumas das mais magníficas ilhas portuguesas e como
dizem os micaelenses, “a
chaleira está sempre ao lado do lume” e o chá bebe-se de manhã e
para acompanhar as refeições. “é chá a
todas as horas”.
Acabou o meu chá e este artigo. Espero que
tenham apreciado esta viagem de cheiros e sabores envolto no chá de São Miguel,
uma ilha totalmente e inconfundivelmente portuguesa.
Autoria: Jorge Faria